No desenvolvimento de qualquer projeto de educação a distância, uma miríade de competências de diferentes profissionais é demandada - da concepção pedagógica à arquitetura da plataforma tecnológica. Mas, em meio a tantas especialidades, cada vez mais se configura como fundamental um profissional específico, que pode ser um professor, um pesquisador ou um especialista de outra área: trata-se do tutor.
E engana-se quem pensa que se trata de um profissional padrão. De perfil tão diferente como são variadas as propostas de formação a distância, encontrar e desenvolver um bom tutor tornou-se um desafio estratégico em EAD. Isso é o que defende a pesquisadora Rita Maria Lino Tarcia.
Pedagoga, doutora em semiótica e linguística, Rita é diretora da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e coordenadora de projetos acadêmicos e acompanhamento curricular da pró-reitoria de graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Às vésperas de publicar o livro Guia Prático de Tutoria, pela editora Pearson, do qual é coautora, a pesquisadora conversou com a revistaEnsino Superior sobre as atribuições e características desse novo profissional e defende a importância da qualificação dos tutores para o bom desempenho dos cursos de educação a distância.
Ensino Superior: O que faz, afinal, um tutor? Qual é o perfil desse profissional?
Rita Tarcia: O termo tutor vem sendo utilizado para designar o profissional que acompanha a atividade de aprendizagem do aluno, estabelecendo uma relação mediada pela tecnologia, no ambiente virtual. A tutoria está, portanto, ancorada no projeto pedagógico do curso, o que torna muito difícil a definição de um único perfil e de uma única prática de tutoria. Depende de como o curso está organizado, das tecnologias utilizadas, da intensidade da interatividade, entre outras variáveis. Isso dificulta a definição de critérios específicos de tutoria desvinculados do curso onde o tutor vai atuar. Quando este perfil não é o mais coerente e adequado, pode causar uma complicação nos processos pedagógicos.
Como qualificar a importância do tutor?
O tutor é aquele que se aproxima do aluno, e, portanto, dá alma ao curso. Ele simboliza o lado prático do fazer da educação a distância: atualiza o conhecimento, faz acontecer o que está planejado. O tutor representa todo o processo quando interage com o aluno, e vem daí a necessidade de que conheça o projeto e o processo do curso proposto. Outro papel extremamente importante do tutor é garantir o retorno imediato ao aluno. Ele é responsável pela avaliação do material, não para dizer se o conteúdo está certo ou errado, mas para verificar o quanto ele é significativo para o aprendiz. Muitas vezes, como os autores dos conteúdos são grandes especialistas, pode-se pensar que não é adequado que o tutor avalie o material. Mas quem tem a resposta imediata do aluno é o tutor, e por isso ele deve se manifestar quanto às situações de aprendizagem mais adequadas para aqueles estudantes, pois sabe coisas que o especialista, o pedagogo, o webdesigner não sabem, e pode retroalimentar o sistema.
Podemos considerar que o tutor deve ser necessariamente um educador?
Essa é uma questão importante, mas igualmente complexa. Se considerarmos que educador é aquele que propicia a formação do outro, o tutor é, sim, um educador. Se pensarmos no educador como um docente, pode ser que sim, pode ser que não. O que é certo é que o tutor assume uma responsabilidade na formação do aluno. Em muitos projetos pedagógicos, existe a ideia de que o tutor é o professor que tem domínio do conhecimento, que vai avaliar, ou seja, tem um papel de quem vai educar. Mas há tanta diversidade em educação a distância que não dá para afirmar que é sempre assim.
Apesar dessa diversidade, é possível falarmos em competências fundamentais de um bom tutor?
Sim, existem competências importantes para o tutor. A competência teórica é importante, ou seja, ele precisa conhecer sobre a área, o curso que está ministrando. Se tiver competência técnica prática, também ajuda. Em EAD, trabalhamos muito com situações-problemas, e se o tutor conhecer essa metodologia pode estabelecer um diálogo muito interessante com os alunos, e esse é um dos principais elementos motivadores de um curso a distância. Outra competência fundamental é a pedagógica. Em educação a distância, lidamos com diferentes linguagens, e o tutor precisa saber articular linguagens com o conhecimento, para criar situações, apontar aspectos relevantes. Por fim, entendo também que o tutor precisa desenvolver a competência tecnológica, que é saber utilizar os recursos que sustentam aquele curso.
E como se desenvolvem essas caraterísticas? Como acontece a formação do tutor?
Até alguns anos atrás, falar de EAD era discutir tecnologia. Falava-se em fazer educação a distância produzindo ambientes virtuais. Hoje estamos resolvidos desse ponto de vista. Em seguida, veio a época de produzir cursos. As instituições se mobilizaram para montar cursos com equipes multidisciplinares, que também ficaram prontos. Agora, estamos em uma etapa em que temos implantado diferentes cursos. Em EAD, isso significa que um curso pode ter milhares de alunos, e para isso preciso de tutores. Contudo, não existem cursos de graduação para formar tutores. Existem alguns de especialização na área de EAD, e outros cursos com focos em teoria ou em gestão de EAD, mas são poucos os voltados especificamente para a prática. Temos identificado em vários projetos que as próprias instituições vêm desenvolvendo seus programas de formação.
O tutor é sempre necessário ou seria possível substituí-lo por um sistema computadorizado, por exemplo?
Podemos fazer uma distinção de três modalidades. Temos o tutor presencial, que atende os alunos no polo em práticas presenciais, estágios, avaliação; temos o tutor on-line, que acompanha o aluno durante todo o processo no ambiente virtual, interagindo e acompanhando as atividades. E temos também o tutor inteligente, assim chamado porque já temos soluções de tecnologia que dão respostas ao aluno, dispensando o tutor. Em minha opinião, pedagogicamente, quanto maior a perspectiva de construção de conhecimento, baseado na visão crítica e no diálogo, mais fundamental é a presença do tutor. Já o tutor inteligente atende situações em que se precisa trabalhar com repetição e memorização de conceitos previamente estabelecidos, cujas respostas serão programadas, baseadas em protocolos e taxinomias. São, dessa forma, usos pontuais e em situações específicas.
A função de tutor não vem atraindo os docentes universitários também?
Sim, um outro caminho que também identificamos nas instituições de ensino superior é a migração de docentes, que acabam assumindo a tutoria de cursos on-line. A prática da tutoria, além de desenvolver competências que são alinhadas ao cenário mundial, como a colaboração em rede, torna o docente um profissional mais competitivo. Essa atuação também amplia o seu raio de possibilidades profissionais para além do ambiente acadêmico, já que no mundo corporativo há um número grande de processos de e-learning. Mas essa ainda é uma categoria profissional em fase de definição, e não podemos saber como será seu desenvolvimento. Sabemos que existem muitos profissionais chegando de diferentes áreas para trabalhar com tutoria. Contudo, mesmo que saibam usar a tecnologia, nem sempre eles conseguem se organizar para tudo isso, pois a ideia de virtual não é daquilo que se pode fazer em horas vagas. Ao contrário, tem a ver com ter disponibilidade para o trabalho com a simultaneidade das atividades on-line e com a capacidade edar retorno para os alunos de forma muito ágil. É um mundo novo que estamos vivendo.
Como você vê o desenvolvimento de EAD no Brasil?
A EAD está ainda em crescimento e em expansão. Identifico uma maturidade maior nos processos e na atuação dos profissionais, mas a cada nova solução de tecnologia para essa modalidade novos desafios surgem e novas descobertas precisam ser feitas, por esse motivo, acredito que estamos em processo contínuo que certamente será ampliado de acordo com o aumento da oferta de tecnologia no país.
Há um perfil mais ou menos comum dos alunos que aproveitam melhor as oportunidades de formação a distância?
Acredito que todos nós estamos aprendendo a ser estudantes digitais. Mesmo os jovens que apresentam muita familiaridade com as tecnologias, nem sempre sabem exatamente como agir e como estudar distância. Nos nossos estudos e considerando a nossa experiência de 15 anos podemos inferir que o estudante que se propõe a fazer um curso a distância precisa ser organizado e disciplinado, ter força de vontade e motivação pessoal para realizar o curso, estar aberto a novas descobertas e novas formas de aprender, ser participativo e colaborativo e ter tempo para realizar as leituras, participar dos fóruns e outras situações educativas propostas no curso.
Por fim, como surgiram os tutores? Há uma história para essa nova função?
Na maioria dos cursos sempre houve um profissional que respondia às demandas dos estudantes. O perfil desse profissional variava de acordo com o nível, características e área dos cursos. Com o uso da modalidade nas instituições de ensino superior, o professor responsável pelas práticas educativas a distância passou a ser também chamado de tutor. No mundo corporativo, ou no e-learning, já é possível identificar a figura de diferentes profissionais com uma maior aproximação da ideia de tutor. Cabe destacar que o aumento da oferta de cursos de diferentes níveis na modalidade a distância trouxe uma grande demanda para os tutores que, neste momento, estão no centro das discussões de EAD.