quarta-feira, 22 de abril de 2015

Afinal, a Internet está nos deixando mais burros?


As novas tecnologias e a internet estão transformando a nossa mente. Estaríamos nos adaptando, nos acomodando ou à beira de um grande colapso?

PT-AO835_CovJum_G_20100604152914-thumb-800x533-102326
O surgimento de novas tecnologias impactou a rotina de várias gerações, progressivamente foi adentrando-se nas nossas casas e viciou as nossas vidas. Hoje passar um dia exilado do smartphone tornou-se um grande desafio. Se você nasceu até o final dos anos 80, certamente vivenciou o rápido processo de evolução dos meios de comunicação. Acompanhava as novelas (ou os desenhos animados) na já extinta Rede Manchete e hoje desfruta da praticidade do Netflix, vislumbrava-se com a capacidade de armazenamento de um disquete, e hoje usufrui da “cloud computer”, ah, e se quisesse saber o significado de “cloud computer” precisaria recorrer a uma biblioteca, possivelmente pesquisaria na Barsa ou em outra enciclopédia do gênero, e seria bem provável que você não encontrasse tal expressão na sua pesquisa. Hoje basta digitar no Google, e até vídeos sobre o assunto são de facílimo acesso. Pois é, amigos… Os tempos mudaram em uma velocidade impressionante, nesse mesmo ritmo a sociedade também mudou, e junto com ela modificaram-se os comportamentos, e, acima de tudo, nossa forma de adquirir, reter e compartilhar informações. A grande questão é: qual o limite entre as benefícios e os malefícios resultantes do efeito tecnológico em nossas mentes?
O sociólogo alemão Robert Kurz, em seu texto “A ignorância da sociedade do conhecimento” não hesita ao condenar a vigente era da informação, em que o ser humano torna-se vítima de um bombardeio de conteúdos e o conhecimento passa a ser confundido com a informação. A aquisição do saber requer envolvimento, olhar crítico, questionamento e reflexão, exigindo de seu receptor um esforço mental, um atividade intelectual. Por outro lado, as informações, segundo Kurz, são resumidas a conteúdos triviais, adquiridas pela mera exposição, uma aquisição quase mecanizada e ao mesmo tempo superficial. A retenção de informações não passaria de uma automática reação a um estímulo, descartando o exercício mental, reduzindo assim o campo do saber. A sociedade não mais precisa entender o mundo a sua volta e compreender o seu funcionamento, basta que saiba processar os dados corretamente, de acordo com o sociólogo alemão.
Sustentando a tese de Robert Kurs, Nicholas Carr, escritor estadunidense, em uma linha paralela, critica o efeito da Internet no nosso cérebro. A principal observação de Carr se pauta na perda da capacidade de sermos pensadores atentos, a tecnologia contribui para a distração, o excesso de informações nos torna mais dispersos, mais desfocados, e consequentemente menos reflexivos. A Internet fornece ao homem a ilusão sobre uma possível execução de múltiplas tarefas. Podemos conversar com nossos pais na sala de jantar, enquanto realizamos uma pesquisa no Google pelo notebook e ao mesmo tempo navegamos no Facebook pelo smartphone, ah, claro, com a TV da sala ligada. A cena descrita é mais comum do que parece. Porém, certamente você deixará sua mãe falando sozinha por alguns segundos, ou acabará interrompendo suas pesquisas, porque viu que a turma da faculdade acabou de postar fotos daquela super festa do fim de semana, e ainda, por fim, perderá o ápice do filme que passa na televisão. E é aí que reside a grande crítica de Nicholas Carr, as tecnologias possibilitaram a realização de várias atividades de forma simultânea, por outro lado acabamos por não realizar nenhuma dessas atividades de forma eficiente, como resultado da inevitável dispersão à qual ficamos expostos. A consequência da dificuldade de concentração em uma atividade específica é a redução da capacidade de aprendizado e de retenção de conhecimento.
multitarefa-distrair-blog-thumb-800x425-102302
Por outro lado, o filósofo francês, Pierre Lévy, assopra as feridas ao criar o conceito de Inteligência Coletiva. Lévy defende a tese de que o ciberespaço possibilitou que as inteligências individuais sejam somadas e compartilhadas por toda a sociedade, independente da distância territorial. Esse compartilhamento de informações permite uma sinergia entre os saberes, uma potencialização das inteligências. A internet possibilita não somente o compartilhamento de informações, como também de conteúdos mais abstratos e intangíveis, como por exemplo a troca de percepções, de hábitos culturais e até de ideologias. O filósofo acredita que essa cooperação intelectual e social tende a ser uma importante condição para o desenvolvimento humano individual e em sociedade.
Em consonância com Lévy, o escritor canadense Clive Thompson em seu livro “Smart Than You Think” defende a ideia de que a internet potencializa o pensamento humano, permitindo novas descobertas e desenvolvendo novas formas de pensar. Thompson reforça a tese de Pierre Lévy ao considerar a construção do conhecimento um processo extremamente colaborativo, sendo tal colaboração fortemente sustentada pela cultura digital. Thompson baseia-se na premissa de que o cérebro humano é capaz de se adaptar às mudanças do meio em que se insere, e tende a aprimorar seu ritmo de raciocínio em uma velocidade compatível com o tsunami de informações ao qual estamos expostos. As pesquisas de Thompson não contrariam diretamente a teoria de Nicholas Carr, ao contrário, o escritor concorda com a inevitável dispersão ao qual o ser humano está exposto e ressalta a necessidade de saber lidar com tal ferramenta. Outro ponto ponderado pelo escritor é o aumento da dificuldade em recordar detalhes e gravar dados superficiais, como por exemplo estamos tendo mais dificuldade em decorar números de telefones e datas de aniversários do que há algumas décadas. Thompson encara essa mudança como mais um processo adaptativo das nossas funções cerebrais, diante da facilidade de acesso a essas informações, perdemos a capacidade de decorar dados aleatórios em prol de uma ampliação da nossa habilidade em gerenciar o acesso à memória externa. A “decoreba” é popularmente vista como uma deficiência do aprendizado, gravar em detrimento do real entendimento tornou-se desnecessário diante da facilidade de acesso a qualquer conteúdo que nos convenha em momento apropriado. Há alguns anos, saber endereços, telefones e datas de cor era uma necessidade e não uma opção. Hoje o Facebook te informará o aniversário de grande parte de seus amigos, o próprio Google já retém os dados importantes de seus contatos, e um bom GPS te direciona a qualquer localização desejada. Ora, tamanha praticidade permite que a nossa mente delegue a aquisição de tais dados à tecnologia, e se ocupe com atividades realmente necessárias, como a ampliação da capacidade de aprendizado, de abstração e de criatividade.
Afinal, a Internet está nos deixando mais burros?
Afinal, a Internet está nos deixando mais burros?
Considerando os contrastantes pontos de vistas dos citados estudiosos: Afinal, a internet está nos deixando mais burros? Uma resposta objetiva seria um gritante “Não”, tomando como sustento o repercutido “Efeito Flyn”: um crescente aumento nos indicadores de inteligência dos seres humanos ao longo dos anos. Tais indicadores baseiam-se nos testes de QI sendo o nome uma homenagem ao americano James Flyn, o pioneiro em tal documentação. De fato, o crescimento do quociente de inteligência nega a nossa questão central. Porém há vertentes diversas da inteligência que não se limitam à capacidade lógica do cérebro. Logo, com sua companhia, iremos além.
A definição de inteligência tem sido um desafio aos estudiosos, sendo tal conceito constantemente formulado e reformulado ao longo dos anos, e sobre o qual ainda não há um consenso. Segundo Jean Piaget a inteligência é resultado de um processo de adaptação, fruto de um diálogo entre as estruturas mentais e a influência do mundo exterior.Assim sendo uma construção contínua do sujeito em interação com o meio. Piaget, porém não foi o pioneiro em tal definição. Nos finais do século XIX, Sir Francis Galton, influenciado pelas ideias evolucionistas de Darwin, deu inicio ao conceito que viria a ser uma definição chave de inteligência: “a inteligência enquanto adaptação”. Diretriz essa desenvolvida por Robert Sternberg em 1986, reforçada por Anastasi em 1992, e aprofundada por tantos outros especialistas. Seguindo essa linha da qualidade adaptativa do conhecimento, nos aproximamos da tese defendida por Clive Thompson. Não estamos presenciando um declínio da inteligência, apenas uma adaptação de nosso cérebro ao atual cenário, ao meio em que se insere.
05171630166527-thumb-800x533-102323
Por fim, vale ressaltar que a efetiva retenção de informações e o empoderamento do conhecimento dependem do modo como você reage a essa chuva de conteúdos. Se você meramente visualizar e não questionar, não refletir sobre o tema, dificilmente a informação se tornará um conhecimento. Entrará para sua memória a curto prazo e logo você terá apenas lembranças superficiais da sua leitura. Mas se você se interessar pelo assunto, ofertar um olhar crítico e quiser aprofundar o estudo, certamente a internet será seu paraíso. Pense em nós, escritores, como seria difícil embasar teoricamente nossos artigos se a cada novo texto fosse necessário recorrer a uma biblioteca? Essa foi a realidade, por muitos séculos, de grandes autores. Um artigo que desenvolvemos hoje em poucas horas, nossos antepassados dedicavam dias ou semanas em suas pesquisas. A internet agilizou esse processo de estudos e pesquisas para vários setores profissionais, aumentando assim nossa capacidade e produtividade.
Logo, cá estamos diante de grandes ferramentas, presenciando um verdadeiro tsunami de informações em tempo real, basta estar conectado para que conteúdos dos mais diversos gêneros nos alcancem. Se as novas tecnologias serão suas aliadas, só dependerá da forma como você as utiliza. Você tem sede de conhecimento? Gosta de compartilhar informações e discutir ideias? Então puxe uma cadeira, pois esse assunto só está começando!

Na sua opinião, qual a maior dificuldade de um tutor?