O surgimento de novas tecnologias impactou a rotina de várias
gerações, progressivamente foi adentrando-se nas nossas casas e viciou
as nossas vidas. Hoje passar um dia exilado do smartphone tornou-se um
grande desafio. Se você nasceu até o final dos anos 80, certamente
vivenciou o rápido processo de evolução dos meios de comunicação.
Acompanhava as novelas (ou os desenhos animados) na já extinta Rede
Manchete e hoje desfruta da praticidade do Netflix, vislumbrava-se com a
capacidade de armazenamento de um disquete, e hoje usufrui da “cloud
computer”, ah, e se quisesse saber o significado de “cloud computer”
precisaria recorrer a uma biblioteca, possivelmente pesquisaria na Barsa
ou em outra enciclopédia do gênero, e seria bem provável que você não
encontrasse tal expressão na sua pesquisa. Hoje basta digitar no Google,
e até vídeos sobre o assunto são de facílimo acesso. Pois é, amigos… Os
tempos mudaram em uma velocidade impressionante, nesse mesmo ritmo a
sociedade também mudou, e junto com ela modificaram-se os
comportamentos, e, acima de tudo, nossa forma de adquirir, reter e
compartilhar informações. A grande questão é: qual o limite entre as
benefícios e os malefícios resultantes do efeito tecnológico em nossas
mentes?
O sociólogo alemão Robert Kurz, em seu texto “A ignorância da
sociedade do conhecimento” não hesita ao condenar a vigente era da
informação, em que o ser humano torna-se vítima de um bombardeio de
conteúdos e o conhecimento passa a ser confundido com a informação. A
aquisição do saber requer envolvimento, olhar crítico, questionamento e
reflexão, exigindo de seu receptor um esforço mental, um atividade
intelectual. Por outro lado, as informações, segundo Kurz, são resumidas
a conteúdos triviais, adquiridas pela mera exposição, uma aquisição
quase mecanizada e ao mesmo tempo superficial. A retenção de informações
não passaria de uma automática reação a um estímulo, descartando o
exercício mental, reduzindo assim o campo do saber. A sociedade não mais
precisa entender o mundo a sua volta e compreender o seu funcionamento,
basta que saiba processar os dados corretamente, de acordo com o
sociólogo alemão.
Sustentando a tese de Robert Kurs, Nicholas Carr, escritor
estadunidense, em uma linha paralela, critica o efeito da Internet no
nosso cérebro. A principal observação de Carr se pauta na perda da
capacidade de sermos pensadores atentos, a tecnologia contribui para a
distração, o excesso de informações nos torna mais dispersos, mais
desfocados, e consequentemente menos reflexivos. A Internet fornece ao
homem a ilusão sobre uma possível execução de múltiplas tarefas. Podemos
conversar com nossos pais na sala de jantar, enquanto realizamos uma
pesquisa no Google pelo notebook e ao mesmo tempo navegamos no Facebook
pelo smartphone, ah, claro, com a TV da sala ligada. A cena descrita é
mais comum do que parece. Porém, certamente você deixará sua mãe falando
sozinha por alguns segundos, ou acabará interrompendo suas pesquisas,
porque viu que a turma da faculdade acabou de postar fotos daquela super
festa do fim de semana, e ainda, por fim, perderá o ápice do filme que
passa na televisão. E é aí que reside a grande crítica de Nicholas Carr,
as tecnologias possibilitaram a realização de várias atividades de
forma simultânea, por outro lado acabamos por não realizar nenhuma
dessas atividades de forma eficiente, como resultado da inevitável
dispersão à qual ficamos expostos. A consequência da dificuldade de
concentração em uma atividade específica é a redução da capacidade de
aprendizado e de retenção de conhecimento.
Por outro lado, o filósofo francês, Pierre Lévy, assopra as feridas
ao criar o conceito de Inteligência Coletiva. Lévy defende a tese de que
o ciberespaço possibilitou que as inteligências individuais sejam
somadas e compartilhadas por toda a sociedade, independente da distância
territorial. Esse compartilhamento de informações permite uma sinergia
entre os saberes, uma potencialização das inteligências. A internet
possibilita não somente o compartilhamento de informações, como também
de conteúdos mais abstratos e intangíveis, como por exemplo a troca de
percepções, de hábitos culturais e até de ideologias. O filósofo
acredita que essa cooperação intelectual e social tende a ser uma
importante condição para o desenvolvimento humano individual e em
sociedade.
Em consonância com Lévy, o escritor canadense Clive Thompson em seu
livro “Smart Than You Think” defende a ideia de que a internet
potencializa o pensamento humano, permitindo novas descobertas e
desenvolvendo novas formas de pensar. Thompson reforça a tese de Pierre
Lévy ao considerar a construção do conhecimento um processo extremamente
colaborativo, sendo tal colaboração fortemente sustentada pela cultura
digital. Thompson baseia-se na premissa de que o cérebro humano é capaz
de se adaptar às mudanças do meio em que se insere, e tende a aprimorar
seu ritmo de raciocínio em uma velocidade compatível com o tsunami de
informações ao qual estamos expostos. As pesquisas de Thompson não
contrariam diretamente a teoria de Nicholas Carr, ao contrário, o
escritor concorda com a inevitável dispersão ao qual o ser humano está
exposto e ressalta a necessidade de saber lidar com tal ferramenta.
Outro ponto ponderado pelo escritor é o aumento da dificuldade em
recordar detalhes e gravar dados superficiais, como por exemplo estamos
tendo mais dificuldade em decorar números de telefones e datas de
aniversários do que há algumas décadas. Thompson encara essa mudança
como mais um processo adaptativo das nossas funções cerebrais, diante da
facilidade de acesso a essas informações, perdemos a capacidade de
decorar dados aleatórios em prol de uma ampliação da nossa habilidade em
gerenciar o acesso à memória externa. A “decoreba” é popularmente vista
como uma deficiência do aprendizado, gravar em detrimento do real
entendimento tornou-se desnecessário diante da facilidade de acesso a
qualquer conteúdo que nos convenha em momento apropriado. Há alguns
anos, saber endereços, telefones e datas de cor era uma necessidade e
não uma opção. Hoje o Facebook te informará o aniversário de grande
parte de seus amigos, o próprio Google já retém os dados importantes de
seus contatos, e um bom GPS te direciona a qualquer localização
desejada. Ora, tamanha praticidade permite que a nossa mente delegue a
aquisição de tais dados à tecnologia, e se ocupe com atividades
realmente necessárias, como a ampliação da capacidade de aprendizado, de
abstração e de criatividade.
Considerando os contrastantes pontos de vistas dos citados
estudiosos: Afinal, a internet está nos deixando mais burros? Uma
resposta objetiva seria um gritante “Não”, tomando como sustento o
repercutido “Efeito Flyn”: um crescente aumento nos indicadores de
inteligência dos seres humanos ao longo dos anos. Tais indicadores
baseiam-se nos testes de QI sendo o nome uma homenagem ao americano
James Flyn, o pioneiro em tal documentação. De fato, o crescimento do
quociente de inteligência nega a nossa questão central. Porém há
vertentes diversas da inteligência que não se limitam à capacidade
lógica do cérebro. Logo, com sua companhia, iremos além.
A definição de inteligência tem sido um desafio aos estudiosos, sendo
tal conceito constantemente formulado e reformulado ao longo dos anos, e
sobre o qual ainda não há um consenso. Segundo Jean Piaget a
inteligência é resultado de um processo de adaptação, fruto de um
diálogo entre as estruturas mentais e a influência do mundo
exterior.Assim sendo uma construção contínua do sujeito em interação com
o meio. Piaget, porém não foi o pioneiro em tal definição. Nos finais
do século XIX, Sir Francis Galton, influenciado pelas ideias
evolucionistas de Darwin, deu inicio ao conceito que viria a ser uma
definição chave de inteligência: “a inteligência enquanto adaptação”.
Diretriz essa desenvolvida por Robert Sternberg em 1986, reforçada por
Anastasi em 1992, e aprofundada por tantos outros especialistas.
Seguindo essa linha da qualidade adaptativa do conhecimento, nos
aproximamos da tese defendida por Clive Thompson. Não estamos
presenciando um declínio da inteligência, apenas uma adaptação de nosso
cérebro ao atual cenário, ao meio em que se insere.
Por fim, vale ressaltar que a efetiva retenção de informações e o
empoderamento do conhecimento dependem do modo como você reage a essa
chuva de conteúdos. Se você meramente visualizar e não questionar, não
refletir sobre o tema, dificilmente a informação se tornará um
conhecimento. Entrará para sua memória a curto prazo e logo você terá
apenas lembranças superficiais da sua leitura. Mas se você se interessar
pelo assunto, ofertar um olhar crítico e quiser aprofundar o estudo,
certamente a internet será seu paraíso. Pense em nós, escritores, como
seria difícil embasar teoricamente nossos artigos se a cada novo texto
fosse necessário recorrer a uma biblioteca? Essa foi a realidade, por
muitos séculos, de grandes autores. Um artigo que desenvolvemos hoje em
poucas horas, nossos antepassados dedicavam dias ou semanas em suas
pesquisas. A internet agilizou esse processo de estudos e pesquisas para
vários setores profissionais, aumentando assim nossa capacidade e
produtividade.
Logo, cá estamos diante de grandes ferramentas, presenciando um
verdadeiro tsunami de informações em tempo real, basta estar conectado
para que conteúdos dos mais diversos gêneros nos alcancem. Se as novas
tecnologias serão suas aliadas, só dependerá da forma como você as
utiliza. Você tem sede de conhecimento? Gosta de compartilhar
informações e discutir ideias? Então puxe uma cadeira, pois esse assunto
só está começando!
Por: Bruna Testi
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